SANDOVAL DIAS - ( blog Na Era do Rádio)
Um craque, não da bola, mas do microfone - Oduvaldo Cozzi.
A Rádio era a Continental, uma emissora inteiramente dedicada ao esporte, líder em audiência quando se tratava de uma transmissão esportiva. Oduvaldo Cozzi
era uma figura académica no meio da classe jornalística. Ele parecia mais um personagem clássico de um drama de Shakespeare do que um locutor esportivo. As palavras saiam de seus lábios emolduradas em rara beleza e se tinham algo a ver com o que se passava em campo ficava por conta de sua habilidade de interpretar as palavras com sutil malícia de quem sabe o que está fazendo. A transmissão era aberta com alusões à beleza do céu, à brisa que acariciava a relva verde do gramado, balançava com suaves carícias as redes que aguardavam as bolas que seriam comemoradas com um grito de GOL ! Cozzi era uma enciclopédia literária e não abria mão de fazer chegar aos seus ouvintes toda a magia e encantamento das imagens criadas a partir do que ele via no campo do jogo.Os seus repórteres tinham que manter aquele quadro vivo de rara beleza sem maculá-la com palavras ou interrupções inconvenientes.

MARCELO MENDEZ - (blog Museu da Pelada)
Na série "A BOLA E O RÁDIO",vamos abrir aqui para registrar o primeiro dos popstars das narrações. Um cara que durante as décadas de 40, 50, 60 e 70 foi o dono da parada toda.Fez propagandas, era todo galã e seus bordões viraram gírias cariocas. Hoje, caro leitor do Museu da Pelada, é a vez dele :Oduvaldo Cozzi.Esse cara foi gigante.Dono de um poder de comunicação absurdo,paulista, se radicou no Rio e fez história com os microfones das lendárias Rádios Tupi,Continental,Nacional e Mayrink Veiga.Dono de um repertório de palavras imenso,muito culto,usava centenas de verbetes em suas locuções e sabia falar com todos os públicos que o escutassem, fosse lá o trabalho que executasse.Falar de Oduvaldo Cozzi no rádio esportivo é covardia. De cara, dá para dizer que sua popularidade foi tamanha, que ele empresta seu nome para batizar o viaduto que leva ao Maracanã.Foi épico em suas narrações. Nossa homenagem para esse cara que nada mais é do que uma lenda na história do rádio.

PAULO BERRINI ( TV Globo / TV Manchete / Promovenda Publicidade) - 2020
Minha prima Regina era amiga da Jane, uma das cinco filhas do Cozzi.E daí a ficarmos amigos, foi um passo pequeno.Frequentei sua casa onde éramos sempre bem recebidos por Dona Albinha. Mas vou tentar falar dele, um professor. Narrador de cultura invejável,dicção perfeita e vocabulário rico.Mesmo sem ter um microfone diante de si,falava com um timbre agradável, conquistava todos nós que bebíamos de sua cultura.E ele não era egoísta, compartilhava conosco,que ainda éramos adolescentes,sua experiência de ter ido a muitos países narrar jogos e competições. A Europa, de todos os lugares visitados,era uma de suas especialidades. Eu ficava sentado ali, com suas filhas,compartilhando muitas de suas visitas a lugares que eu não conhecia mas que,na narrativa de Cozzi,ficavam sendo nossos conhecidos, tal a riqueza de suas palavras. Comecei a conhecer França,Inglaterra,Portugal, Itália, pelas opiniões e impressões que ele nos passava.Lembro-me hoje que, ao ter a oportunidade de ver a Torre Eiffel, lembrava de suas palavras contando a sensação de ver de perto o ‘Monumento de Aço’. E foi exatamente como ele comentou.
Lembro que foi uma das maiores emoções que ele sentiu foi de ter ouvido o nosso hino numa cerimônia num país distante,o México. Eu me lembrava das brilhantes narrações dos jogos que empolgavam mesmo que fosse um simples América X Bangu. Afinal, era um grande profissional. Lembro o Jornal das 7,com um menino ao lado ( o pequeno jornaleiro), numa televisão sem memória.Jogos da seleção, tantos….Sempre com seu estilo inconfundível de quem sabia ser mestre. Eu tive a honra de conhecer Oduvaldo Cozzi.

CACÁ DIEGUES ( sobre a derrota da Copa de 50, em O Globo )
Naquele inverno carioca,mais precisamente 16 de julho de 1950,acompanhei o final da Copa pelo rádio ouvindo o jogo narrado por Oduvaldo Cozzi.Não entendo como alguém podia ser tão sereno,capaz de relatar os mais perigosos ataques uruguaios sem alterar a voz, sem dizer alguns palavrões diante do perigo que rondava nossa meta.

ARTHUR da TÁVOLA ( Revista Amiga, 14 de novembro de 1978)
Recordo muito bem o programa dominical de Cozzi. Era muito bem feito e tinha uma grande virtude: era absolutamente imparcial e informativo. Na televisão seu programa dominical, sua resenha era precisa, voltava os lances, discutia em detalhes e amplitude sem os passionalíssimos das mesas redondas. Em matéria de dizer tudo com precisão e sobriedade ainda não foi superado em nossa televisão. Com ele milhões de brasileiros aprenderam a amar o futebol através de sua voz,seu português perfeito, de sua impecável e florida expressão verbal. Um homem que conseguia com voz clara e brilhante descrever as arquibancadas do Maracanã como ninguém.

SERGIO BITTENCOURT : (Revista Amiga , janeiro de 1979 )
Um homem que conseguia com voz clara e brilhante descrever as arquibancadas do Maracanã como quem declamasse um poema. Não tem substituto. A vaga vai ficar sem ocupante.

HELIO FERNANDES  : ( Tribuna de Imprensa )

A propósito de futebol : domingo, por acaso, vi o programa do Professor Oduvaldo Cozzi na Rádio Nacional. Sempre a mesma facilidade de expressão, a mesma lucidez, o mesmo conhecimento fantástico de futebol Não hesito colocar Oduvaldo Cozzi entre os quatro homens que mais sabem ver futebol no Brasil. Os outros três são João Saldanha, Rafael de Almeida Magalhães e Russo do Fluminense.

JOSÉ DIAS : Do capítulo "Alô, alô, Cozzi!" de seu livro "Futebol de craques e de cartolas pernas de pau", editado em 2000.
Tento reproduzir na velha máquina de escrever a convivência que mantivemos por mais de 25 anos mas a saudade é tão grande que a emoção me impede de colocar no papel tudo aquilo que devo dizer para que todos saibam a importância de sua ajuda e dos seus ensinamentos. Meus olhos lacrimejam toda a vez que vejo sua foto em frente a mesa na sala em que trabalho na Sport Press. Ninguém conhece uma particularidade que revelo aqui, que demonstra seu companheirismo. Na excursão da Seleção Brasileira, em 1956,foi ele - a maior autoridade do rádio esportivo - quem realizou a cobertura para a Sport Press. De graça, para atender o amigo de todas as horas. Assim também aconteceu com as Copas do Mundo de 1958 e 1962. Foi Oduvaldo Cozzi, nos anos 1950/1960,o melhor locutor esportivo, o professor dos professores pela sua cultura, timbre de voz e inovações promovidas no rádio esportivo. Gostaria de contar aqui todas as virtudes de seu extraordinário trabalho como comandante de equipe, as criações do mais completo locutor esportivo que este país já teve.Ele deixou uma grande lacuna jamais preenchida no rádio brasileiro.

ZUENIR VENTURA ( O Globo, 16 de novembro de 2000 ) :
Esta semana tive que fazer minha escolha, escalar o melhor time tricolor de todos os tempos a pedido da editoria de esportes do JB. Confesso que encontrei as maiores dificuldades na tarefa a começar pelo goleiro. Percebo que os jogadores que não vi jogar se impunham na minha preferência no lugar dos que só ouvi através das transmissões radiofônicas na voz inigualável de Oduvaldo Cozzi. Rádio é fogo. Nenhum outro veículo nem televisão, nem Internet, nada foi tão poderoso para estimular a imaginação quanto o rádio, sobretudo quando existia sozinho.

JOSÉ CARLOS ARAÚJO ( Via Whatsapp ) - 2020
Eu cresci ouvindo Oduvaldo Cozzi na velha emissora Continental transmitindo futebol. Eu nasci em 1940 e na década de 50, quando ele estava na emissora Continental, me lembro muito bem dele como ouvinte. Depois eu conheci Cozzi convivendo com ele na Copa de 74, na Alemanha, que foi a minha primeira Copa do Mundo. Me lembro que eu ia receber um troféu, Bola de Ouro, e ele estava lá com uma filha. Ele chegou no meu ouvido e falou: 'Está ótimo'. A maneira como ele soletrou , vindo do Oduvaldo Cozzi, o verdadeiro Professor, na carreira, na profissão, aquilo foi um troféu mais importante do que eu iria receber em instantes. Todos nós de smoking, de traje a rigor. Esse era o Oduvaldo Cozzi. Ele acompanhava tudo. Foi talvez o maior locutor esportivo de todos os tempos numa geração que ainda não acompanhava a transmissão direta pela televisão. E as imagens criadas pelo seu vocabulário tão rico, tão correto, tão perfeito, faziam com que o imaginário do ouvinte se transformasse numa verdadeira televisão enriquecendo as imagens. Era chamado de 'Professor' não à toa , ele tinha a correção do português. A maneira fácil com que transmitiu a Copa do Mundo de 1958, na Suécia, no nosso primeiro título Mundial. Naquela oportunidade, eu estudava no Colégio Pedro II, na Avenida Marechal Floriano, no Centro do Rio de Janeiro. Tinha um bar na esquina que ligava o rádio a todo o volume e a voz era de quem ? Oduvaldo Cozzi. Cozzi foi uma escola. Pena que a memória daquela época não seja resgatada nos dias de hoje como deveria. E, principalmente, ele não merecia apenas um viaduto, merecia sim uma verdadeira escola do rádio esportivo. Ele não foi uma inspiração só para mim, mas para todos as gerações que vieram durante o domínio dele no rádio esportivo. Cozzi era paulista mas conseguia dominar uma linguagem padrão para o Brasil inteiro. Transmitiu numa emissora notadamente inferior em potência do que a Rádio Nacional e ainda assim conseguia atrair a audiência exatamente pela sua qualificação. Não apenas pelo português mas pela voz bonita, metálica, vibrante e com fidelidade, nas transmissões do futebol.

THIAGO UBERREICH (Jornalista da Jovem Pan, autor dos livros "Biografia das Copas"e"1970 O Brasil é Tri") - 2020
Oduvaldo Cozzi era o mestre das palavras, não só na oralidade, mas nas narrações precisas e emocionantes diante do microfone e também na hora de escrever. Uma simples busca em arquivos de jornais e de revistas indica dezenas de referências a ele: são textos de própria autoria e chamadas das transmissões esportivas comandadas ao longo de sua brilhante carreira.

MARCOS GARCIA (Médico e colecionador , criador do "Craques do Microfone" ) - 2020
Cozzi foi um dos pioneiros da descrição do esporte pelo Rádio. Era locutor clássico, que respeitava o vernáculo, utilizando palavras colocadas em discursos escorreitos. Respeitava a língua portuguesa como poucos e dela fazia uso de forma peculiar, com uso de termos técnicos derivados do inglês como era comum no linguajar da época. Ele revolucionou as transmissões esportivas no Rio Grande do Sul, utilizando a narração objetiva, concatenado,em estilo sóbrio, utilizando termos novos. Para um jovem paulista recém chegado a então Capital Federal, teve no Rio de Janeiro a oportunidade de entrar no terreno esportivo. Daí ,o poeta do Rádio esportivo não parou mais.

JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS ( O Globo) 2020 :
Eu passei minha infância com o ouvido colado no rádio e um dos sons mais fundamentais
que, de vez em quando a memória traz de lá, é a voz de Oduvaldo Cozzi. Tinha uma gravidade, uma impostação firme que dava grandiosidade ao jogo que estava narrando. Ele fez parte do meu album de figurinhas dos grandes locutores esportivos daquele tempo, craques como Doalcei Bueno de Camargo, Valdir Amaral, Orlando Batista e Jorge Curi. Estamos falando ali do final dos anos 50 e por todos os anos 60 ,meu período de radio ouvinte. A Copa de 62 me veio em sua locução, acho que pela Radio Tupi. Não tenho certeza, mas acho que o locutor segurava a locução praticamente sozinho, sem essa moleza de hoje em dia de dividir os 90 minutos com com a ajuda de comentaristas, analista de arbitragem, repórteres de campo, intromissões do estúdio. Era pedreira, Cozzi era diferente dos outros porque, além de um sotaque sulista, tinha um vocabulário com mais palavras do que as básicas usadas numa transmissão - e eu já prestava atenção nessas elaborações de texto.

RUJANY MARTINS  (1) - ( Jornalista, trabalhou com Cozzi na Rádio / TV Tupi) - 2020
Honrado pelo convite a participar desta homenagem ao ‘Professor’ de praticamente todos os que se aventuraram na carreira radiofônica nos últimos 60 anos mas deixo sua notável biografia aos pesquisadores da história do Rádio brasileiro. Prefiro me deter ao pouco mais de seis anos em que tive o privilégio de conviver, trabalhar e aprender (muito) com Oduvaldo Cozzi . “E é dada a saída !“ Menino ainda, tive os meus primeiros contatos com o mestre da locução, a quem ouvia no início da década de quarenta pela Rádio Mayrink Veiga onde ele começava a brilhar depois de passar pela Rádio Nacional. Dominava a audiência com concorrentes importantes como Ary Barroso e Gagliano Neto. Cozzi era meu narrador favorito nas tardes de domingo. Voz macia e marcante, narração limpa e cadenciada,vocabulário extenso e correto mas criativo ao lançar os primeiros bordões de narração esportiva. Chamado o “Poeta do Esporte” suas aberturas de transmissões eram verdadeiros poemas. Metáforas perfeitas e construções corretas ao descrever o cenário, as expectativas emocionais e os artistas que fariam o espetáculo. Um simples jogo de futebol transformado numa epopéia pelo poeta do microfone. “Impedido !”. Sua narrativa fluente e vibrante era interrompida quando o Juiz pilhava o atacante em posição irregular. “Dias !”, ele chamou assim pela primeira vez na história da Rádio Esportiva carioca o repórter José Dias que o ‘Professor’ colocou no campo inovando as transmissões. Zé Dias era o braço direito de Cozzi, o executivo que cuidava da equipe do chefe,e foi ele que, alguns anos depois,quando de ouvinte e fã, eu passei a funcionário da Rádio Tupi. Ele me levou a Oduvaldo Cozzi, então diretor da emissora. Contratado como repórter e redator do jornalismo, eu aguardava uma oportunidade para fazer esporte depois de um aprendizado de quatro anos na Continental. Dias me levou ao Cozzi para apresentar o novato com o qual pretendia fazer mais uma tentativa de resolver o problema dos ‘pontas’ nas transmissões do ‘Professor’.Topei fazer a experiência, mesmo sendo alertado de que Cozzi era exigente.Já tinha rejeitado vários candidatos. Autorizado, Dias me escalou para o jogo de domingo no Maracanã.Que emoção!Lá estava eu,atrás da baliza,para ilustrar ou esclarecer os lances de área de narração do mestre. É claro que eu tremi.Mas consegui fazer o trabalho e (UFA!) fui aprovado pelo ‘Professor’.Depois daquele dia fiquei titular de uma das pontas das reportagens do Cozzi. Assim, não foi surpresa quando fui escalado para compor a equipe que, ao comando de Cozzi, viajou para Brasília para transmitir pela Cadeia Associada de Rádio e Televisão o evento histórico da inauguração da nova capital. Fomos para o Planalto Central 20 dias antes da data marcada para a festa,com a tarefa de mandar diariamente 15 boletins de cinco minutos cada, transmitido de hora em hora, e um programa de 55 minutos fechando a programação noturna.Nós fazíamos os boletins e Cozzi fazia o programa de quase uma hora que resumia tudo.O sucesso foi tão grande que quatro dias antes da festa, a direção das Associadas,com João Calmon à frente, desembarcou em Brasília e chamou a equipe de Cozzi para jantar no Brasília Palace Hotel e distribuiu elogios gerais. Chegamos de volta a nossa hospedagem por volta de uma da manhã cansados e Cozzi nos cobrou a gravação dos boletins de notícias para serem enviados ao Rio para o programa do dia seguinte.Não tínhamos nada anotado e com muito sono nós, da equipe, gravamos um a um os cinco boletins cobrados. Aí chegou a vez do Cozzi. Cinquenta e cinco minutos para ele gravar, sozinho, (ele e seu operador Walter Mello), a uma da manhã. “Senhoras e Senhores….”, ele sempre começava assim. Durante mais ou menos uma hora falou sobre a aventura de estarmos ali vendo nascer a nova capital do Brasil. Uma crônica digna de um Rubem Braga ou de um Sabino só que oral e de IMPROVISO.  Ele não tinha nenhum roteiro e nem uma palavra anotada. No dia seguinte o programa foi ao ar em Cadeia Nacional e Oduvaldo Cozzi foi convidado para jantar com a família do Presidente Juscelino,no Rio. “ E, por favor, não esqueça de levar a gravação daquele maravilhoso programa de ontem que Dona Sarah e Maristela adoraram e gostariam de ter uma cópia.”.  Quatro dias depois era 21 de abril de 1960 e sob o comando de Oduvaldo Cozzi eu, Afonso Soares e João Vita,os operadores Walter Mello, Ecio Caldeira e Nilton Fala, transmitimos durante 14 horas ( record pan americano) os eventos históricos da inauguração de Brasília pela grande cadeia de Rádio das Emissoras Associadas.

RUJANY MARTINS ( 2 ) - Os Sustos de 62 - 2020

O sucesso de 58 ainda ecoava. Afinal éramos formalmente reconhecidos como os “reis do futebol” e o mundo ainda se maravilhava com o que haviam feito Garrincha, Didi ,Zito e cia. E coroava o menino Pelé de apenas 17 anos como “futuro rei”.Nesse clima de euforia e absoluta autoconfiança, o Brasil começou a se preparar para  defender o seu título de campeão mundial na próxima Copa, que seria realizada em 62, ali no Chile. A imprensa esportiva fervilhava e o rádio se preparava para grandes promoções em torno do prestígio da seleção campeã. Foi quando o grupo Bandeirantes ,cuja rádio dominava a audiência em São Paulo , preparou um grande projeto de marketing esportivo, visando a Copa.Para executá-la era preciso dominar também a audiência no Rio,onde a emissora do grupo - a histórica Guanabara - marcava passo.Os executivos paulistas - Edson Leite à frente - desembarcaram no Rio com uma mala de dinheiro , dispostos a montar uma equipe e dominar o mercado.E contrataram Oduvaldo Cozzi ,então principal narrador e diretor da Rádio Tupi.O projeto era montar a melhor equipe que se pudesse reunir  no rádio carioca.E para isso havia dinheiro suficiente. Afinal, o projeto “Vamos ao Chile com a Guanabara”,objetivo final da família Saad, já estava vendido para as multinacionais Firestone e Cinzano.

Cozzi foi autorizado a contratar os melhores nomes disponíveis na rádio carioca. Ele pegou Jorge Curi, Doalcei Camargo, Sergio Paiva e a eles juntou o grupo que trouxe de sua equipe da Tupi, Dolar Tenis, José Dias, Paulo Cezar Tenius ,Vitorino Vieira e José Cunha.Foi aí que sacaram a ideia de lançar João Saldanha, uma solução inovadora que deu certo como cronista e mais os repórteres Geraldo Borges, Alfredo Raimundo Fernando Carlos e Otávio Nami.

E nessa leva eu entrei pois também  era da equipe do Cozzi.

Uma grande campanha publicitária foi desencadeada vendendo a promoção “Vamos ao Chile com a Guanabara” A ideia era sortear entre os ouvintes do então lançado “escrete do Rádio” combos incluindo passagem,estadia e ingressos para os jogos do Brasil na Copa do Chile. Dois aviões já estavam lotados. Egídio Luchesi ,o engenheiro pai do atual presidente da atual Academia Brasileira de Letras Marco Lucchesi, e foi dele a ideia de fabricar  milhares de receptores de rádio de frequência fixa que só sintonizava a Rádio Guanabara e distribuí-los por bares e restaurantes por todo o Rio de Janeiro. Assim era comum passar na hora do futebol por qualquer rua do Rio e ouvir Cozzi, Doalcei e Cury transmitindo o jogo do Maracanã pelo rádio do bar. E no estúdio, um sinal sonoro (também lançado pelo Lucchesi) apareceu contagem do tempo do jogo pela primeira vez e quando o tal sinal apitava dava eco no Maracanã. Um sucesso retumbante e um consequente fenômeno de audiência. Só restou um problema: como tinha sido a última emissora a entrar no páreo da Copa, a Guanabara não tinha reserva de circuito internacional para transmitir desde o Chile. Naquela época os circuitos telefônicos eram precários e de qualidade mínima. Geralmente eram construídos por cabos submarinos explorados por multinacionais.No Brasil as operadoras eram Radional da americana ITT e a Radiobrás. Para o Chile todos os canais estavam reservados para outras emissoras, enfim, a Guanabara que chegara por último não tinha canal para transmitir. Foi nesse clima de expectativa que tomou-se uma decisão extrema : alguém da direção da empresa foi a Santiago para tentar negociar uma solução. Era necessário conseguir uma autorização do governo chileno para montar nos arredores de Santiago uma emissora de rádio de ondas curtas por prazo determinado, exclusivamente para transmitir os eventos da Copa. Naturalmente não seria fácil conseguir tal autorização.mas era a única solução visível ou a grande (e cara) equipe do escrete do Rádio não conseguiria transmitir a Copa de 62 Que foi difícil, foi. Mas o tradicional jeitinho brasileiro funcionou. De maneira nada louvável, mas funcionou. De repente, um alto funcionário do governo chileno desembarcou no Rio e foi hospedado por uma semana inteira no Copacabana Palace com toda a mordomia imaginável. E, ao voltar ao Chile, liberou a autorização “justa e tecnicamente perfeita”.

E foi assim que Cozzi e Doalcei puderam transmitir a Copa que começou com dois grandes sustos: a expectativa de verem frustrados os grandes projetos da nova Rádio Guanabara e a contusão de Pelé logo no primeiro jogo. Compensados com a consagração de Amarildo como substituto do Rei e e a confirmação de Garrincha como destruidor de defesas. Culminando com o Brasil bicampeão  e a Guanabara na liderança da audiência do rádio esportivo carioca no comando de Oduvaldo Cozzi.

 

RUJANY MARTINS (3): Jornalista - 2020

Cozzi e eu vivemos outro episódio que merece ser contado. Jânio Quadros havia renunciado à Presidência da República e os ministros militares não aceitavam a sucessão do governo para o vice eleito João Goulart que estava em viagem à China. Os militares se constituíram em uma junta de governo e anunciaram que o Congresso não daria posse a Jango.Eu estava na chefia do jornalismo da Radio Tupi quando lá chegou um coronel do exército com credencial de sensor: “Nada pode ser irradiado sem a minha autorização”,disse ele. E ninguém discutiu. Só que,no sul do país,Leonel Brizola, então Governador do Rio Grande do Sul, ergueu barricada em torno do Palácio Piratini e conseguiu o apoio do General Machado Lopes (comandante do terceiro Exército e que não apoiava o golpe). Brizola formou a Cadeia da Legalidade com as Rádios Guaíba e Gaúcha e comunicou que Jango estava voltando, desembarcaria em Porto Alegre  e marcharia para tomar posse da Presidência Constitucional em Brasília.Mandei chamar o Cozzi, que era nosso diretor , dando ciência a ele do que estava acontecendo. O “Professor” ponderou ao coronel que estava exacerbando de sua função que era apenas impedir que transmitisse algo em discordância com as ordens do Alto Comando.Diante da intransigência do coronel, Cozzi tomou o telefone e falou com alguém dando conta do que se passava. A pessoa do outro lado da linha pediu para falar diretamente com o coronel que,assim que identificou o assumiu posição de sentido e mudou de atitude :”Coronel, o senhor será substituído imediatamente. Aguarde a chegada de seu substituto e não tome nenhuma atitude até lá”.Do outro lado da linha estava o Marechal Estevão Taurino de Rezende, Secretário Geral da Guerra cogitado a assumir a Presidência interina , irmão e padrinho de Alba de Rezende Cozzi, esposa de Oduvaldo Cozzi.

Em 1961 quando os Saad resolveram transformar a sua Rádio Guanabara numa potência do Rio, foi ao Cozzi que eles chamaram. “O Professor” deixou a direção da Tupi e foi montar o “Escrete do Rádio" ,a mais estrelada equipe do jornalismo esportivo carioca. E levou a maior parte de sua equipe para juntar-se a Curi, Doalcei Camargo, Sergio Paiva,João Saldanha entre outros.Dois anos depois ele voltou a Nacional ,onde começou, a partir daí seguimos caminhos diferentes.Vivi cerca de 30 anos no rádio em quase 70 que tenho de carreira jornalística. Participei de grandes eventos, cobri importantes acontecimentos e conheci inúmeros grandes talentos. Mas sempre que me aparece uma oportunidade (como agora) ponho em relevo um dado o qual me orgulho e valoriza meu currículo. Eu trabalhei, convivie aprendi com Oduvaldo Cozzi.

MARCIO DE SOUZA ( jornalista, radialista e publicitário ) 2020:
Entre 1972/1974 toda a segunda-feira, por volta das 14 horas,a equipe de esportes da Rádio Nacional se reunia, no vigésimo andar do edifício A Noite, na Praça Mauá, número 7,para analisar e debater transmissões feitas no fim de semana. O Cozzi havia assumido o comando do Departamento, assim que o Jorge Cury saiu da Nacional, após a Taça Independência ( também denominada Taça Sesquicentenário ) em 1972, indo para a Rádio Globo. O torneio de seleções,era comemorativo dos 150 anos da proclamação da Independência do Brasil. Eu era coordenador da equipe durante a permanência do Curi,sendo mantido na função pelo Cozzi.Como as reuniões começavam às 2 horas da tarde,dava tempo para que os narradores, comentaristas e repórteres, que viajavam para coberturas fora do Rio de Janeiro,retornassem e participassem do bate-papo. O horário era ideal para o Cozzi que geralmente almoçava ali perto da Rádio, mais precisamente no restaurante Mosteiro, um dos mais tradicionais e sofisticados da cidade maravilhosa. O restaurante levava o nome de Mosteiro por ficar exatamente em frente ao Mosteiro de São Bento, numa transversal à Avenida Rio Branco, pertinho da Praça Mauá. O Cozzi chegava às reuniões preparado psicologicamente para as críticas sobre as pisadas de bola da equipe, ou para os elogios, se e quando merecidos. O Cozzi começava a sessão com sua voz deliciosa e seu humor irônico. Um por um ia apontando o que de certo ou de errado havia anotado na cobertura do fim de semana. Numa dessas reuniões um dos primeiros a ser “premiado” foi o locutor Paulo Cezar Tenius, que passou a principal narrador com a ida do Curi para a Globo. O Paulo havia transmitido um amistoso internacional, no antigo estádio do do Canindé, em São Paulo, reunindo Portuguesa de Desportos e Belenenses de Portugal. Lá pelas tantas, ele soltou a seguinte frase: “Está fazendo um frio senegalesco na capital paulista! ”. O Cozzi, na reunião, perguntou ao Paulo Cezar Tenius : “Meu caro Paulinho, você já esteve em Dacar? Alguma vez ouviu dizer que nevou no Senegal ? Lá, em pleno e rigoroso inverno, a temperatura chega a quase 40 graus positivos. No verão beira os 50….ou mais ! No Senegal faz um calor infernal! Então esse seu “frio senegalesco”não tem nenhuma base científica ou mesmo geográfica - afirmou Cozzi. Um dos presentes,Aluísio Parente, também locutor,esboçou um sorriso,mas foi logo interpelado por Cozzi. “O senhor está rindo de que, meu preclaro amigo ?Afinal, qual foi o jogo que transmitiste mesmo ?”. Aluísio Parente respondeu : “Fiz Fluminense e Nacional,em Manaus”. Era o que o Cozzi queria ouvir: “Anotei tudo aqui no meu caderninho. O senhor pronunciou umas 30 vezes a seguinte frase: “Estamos falando direto de Manaus, a capital DAS Amazonas”. Não foi?”. O Aluísio Parente balançou a cabeça positivamente. Foi o suficiente para o Cozzi deitar e rolar. “Por acaso, ao chegar a Manaus, o senhor viu belas morenas com cabelos longos, galopando montadas em garbosos cavalos pelas avenidas da capital amazonense ?”. O Aluísio Parente só teve tempo de dizer “Não!”. O Cozzi, com sua verve, arrematou “Pois saiba, meu querido, que Manaus não é a capital DAS Amazonas mas sim a capital DO Amazonas. Manaus é a capital de um Estado da Federação e não uma tribo constituída por mulheres montadas em imponentes cavalos puro sangue. Tome esse giz e vá ao quadro negro e escreva 20 vezes,por favor, “Manaus, capital do Amazonas”. A próxima vítima, na reunião, foi Antonio Carlos Rezende, vindo do Rio Grande do Sul para a Rádio Nacional com uma carta de recomendação assinada simplesmente por um general chamado Emílio Garrastazu Médici, então Presidente da República. Tônico, como a gente o chamava, também havia viajado para Belém do Pará, onde o Vasco havia enfrentado o Paissandu. Cozzi não perdoou o “peixinho do Presidente” e pegou no pé do narrador gaúcho: “Meu adorável Tonico Rezende, bela transmissão a sua! pena que o senhor teve um erro imperdoável”. Qual foi meu erro ?”, perguntou o locutor. “Bobagem…”, ironizou o Cozzi. “Sabe que ontem, enquanto a bola rolava, Belém do Pará promovia um dos maiores eventos desse país? E que em nenhum momento o senhor mencionou o fato? Ontem foi o dia do Círio de Nazaré. A data é comemorada anualmente, no segundo domingo de outubro. E o senhor estava lá e ignorou o fato durante toda a sua bela transmissão. Agora, gostaria que viesse ao quadro e escrevesse, 10 vezes, a seguinte frase : ‘O Círio de Nazaré é a segunda maior festa religiosa do Brasil’. Enquanto Antonio Carlos Rezende,de giz na mão,escrevia a frase no quadro negro, o Cozzi pegou no pé de mais um, Pedro Paradella. “Caro Paradella, o Luiz Fernando da Continental deu tal notícia ontem, o Dani Menezes da Globo, falou que fulano de tal renovou o contrato. O Alfredo Raimundo da Tupi, garantiu que Cicrano vai mudar de clube. O senhor sabia dessas notícias?”.
Pedro Paradela garantiu de pronto “Sabia sim, professor” ( esse era o apelido carinhoso de Cozzi ). “Sabia mas não deu no ar”, salientou o chefe. “Quer dizer que o meu repórter está por dentro de tudo mas guarda a notícia para si mesmo.Então, chego a conclusão que,na minha equipe tenho um “repórter confidencial” que sabe da notícia mas não conta pra ninguém!”. E a reunião rolava caminhando para o fim,mas o que eu não esperava é que ainda faltava alguém na lista do Cozzi - eu ! Justamente eu que passei o tempo todo ouvindo suas broncas e me divertindo com suas tiradas. Ele olhou para mim e disse : “E esse meu coordenador, a reunião está quase acabando e você, Márcio de Souza, não fala nada ?”. “Falar o que, chefe ?”, disse eu. O Cozzi não perdeu a chance. “Era só o que me faltava! Tenho um locutor que faz gelar no Senegal, tenho um narrador ateu que nunca ouviu falar em Círio de Nazaré, tenho um repórter que sabe de todas as notícias mas não dá nenhuma, tenho um locutor que vê moças cavalgando nas ruas de Manaus e, agora, descobri que na minha equipe tenho também um comunicador mudo”. Era eu, Marcio de Souza. Antes de encerrar a reunião era de praxe o Oduvaldo Cozzi pedir desculpas pelas brincadeiras ( que eu adorava ) e agradecer pelo que ele considerava o maior ‘sacrifício’ de cada componente da equipe: passar os sábados e os domingos fora de casa, longe das esposas e dos filhos, viajando ou cobrindo os jogos no Maracanã ou demais estádios da cidade. O Cozzi até quis dar um exemplo desse ‘sacrifício’ mas aí chegou a minha vez de tirar um sarro do chefe. Disse ele : “Lembro que quando uma das minhas filhas nasceu eu estava trabalhando e não pude acompanhar o parto. Sabe onde eu estava? No dia seguinte de um amistoso do Brasil na cidade do Cairo e eu estava visitando as pirâmides do Egito”. Aí eu peguei o gancho, tirei o ‘comunicador mudo’ da gaveta e acrescentei: Eu também!”. Cozzi, curioso, quis saber. “Você também estava nas pirâmides do Egito quando sua filha nasceu ?”. “Não, professor, eu não estava em casa, estava trabalhando como o senhor…. Mas em Moça Bonita, transmitindo Bangu X Madureira.Quem sou eu para me dar ao luxo de passear no Egito, conhecer Queóps, Quéfren e Miquerinos enquanto minha filha nascia. Isso é privilégio para poucos e para quem pode ….para Oduvaldo Cozzi.

JOSÉ CUNHA ( Jornalista e Radialista ) 2020 :
Conheci Oduvaldo Cozzi nos anos 60. Ele era considerado o professor de todos os narradores esportivos do Rio de Janeiro. Cozzi era paulista, dono de uma perfeição extraordinária, empregando o português com muita propriedade. Quando nos encontramos pela primeira vez ele comandava a famosa equipe esportiva da Rádio Mayrink Veiga, uma das principais emissoras da época de ouro do rádio carioca. Ele era o titular e eu como narrador do futebol dente de leite que revelou grandes talentos para o futebol da época. Por muitas vezes nos reunimos por ocasião de acontecimentos esportivos pois, em todos, Cozzi era convidado e sempre fazia uso da palavra, encantando a todos com a facilidade que tinha de expressar seus sentimentos,acostumado com as emoções que o mundo lhe oferecia. Foi assim na inauguração de Brasília quando, acreditem, Cozzi ficou no ar por 24 horas informando aos brasileiros o que era a nova capital de Juscelino e do Brasil. O Doutor Antonio Coutinho de Lucena resolveu convidar Cozzi para ser o superintendente artístico da Rede Tupi de Televisão e eu, tive a honra de ser escolhido por ele para ser o substituto do Cozzi, o que foi na minha carreira um triunfo que jamais pude esquecer. Eu poderia escrever durante muitas horas sobre o feito de Oduvaldo Cozzi comandando nossas emissoras de rádio e televisão. Poderia falar dos muitos profissionais que ele deu oportunidade que passaram pela rádio e televisão com sucesso absoluto e que honraram o nome de nosso homenageado. No milézimo gol de Pelé tive a honra de trabalhar com ele e aprendi muito com o Cozzi. Uma das grandes homenagens que nossos autoridades fizeram para ele está o Viaduto Oduvaldo Cozzi ali chegando ao Maracanã, onde a vida inteira ele frequentou e emocionou o público com suas transmissões inigualáveis.
Sua família recebe de nós a mesma admiração que aprendemos a ter por ele Quanta coisa nos lembra Cozzi… Ele foi a própria essência de um rádio que não existe mais. Tive muito prazer em escrever essas linhas pelo grande mestre. Oduvaldo Cozzi foi e sempre será o professor querido e saudoso de todos aqueles que, como eu, escolheram a profissão maravilhosa de informar e divertir.

MAURICIO NEVES de JESUS ( escritor, roteirista e professor universitário) 2020 :
“É um show de bola na lendária Áustria, das belas valsas e bons vinhos”
A voz límpida e dicção perfeita ecoava de norte a sul do Brasil. Os ouvintes reunidos nos cafés e nas praças com alto-falantes faziam silêncio para não perder nenhum detalhe da transmissão do encontro internacional entre Brasil e Áustria o primeiro jogo entre as duas seleções. Além dos momentos do jogo ,os ouvintes tomavam conhecimento de detalhes da cultura austríaca, da culinária e tb, que aquele era o primeiro jogo transmitido pela televisão local. Tudo isso sem descuidar da emocionante peleja em todos os seus detalhes : a Áustria fez o primeiro, os brasileiros igualaram e tomaram a dianteira. Então aconteceu um novo empate e aos três minutos do fim,de calcanhar Didi dava a vitória ao Brasil, sendo narrado com a pompa destinada aos maiores feitos nacionais, levando o locutor a afirmar em sua narrativa impecável como o terno e a gravata que usava que era um show de bola. Ninguém desgrudava do rádio porque aquele era Oduvaldo Cozzi em ação. Na noite anterior,no lobby do Parkhotel Schoenbrunn,onde os oito jornalistas que acompanhavam a seleção brasileira estavam hospedados junto aos jogadores e comissões técnicas, Cozzi era o centro das atenções. Ele,do alto de quem contava duas décadas de transmissões esportivas - a estreia havia sido no Circuito da Gávea,quando ganhou a alcunha de ‘speaker cachoeira’ pela quantidade de palavras por minuto para narrar as façanhas dos ases dos automóveis - tinha autoridade para afirmar o que todos duvidavam: “Nesta excursão aos gramados europeus estamos apresentando o campeão mundia que surgirá dentro de dois anos “. Cozzi estava certo,como de hábito. Ele havia começado no rádio por acaso ao fazer um teste na Rádio Ipanema quando estava de férias no Rio de Janeiro em dezembro de 1934. Passou, foi aprovado e ficou. Culto, apresentava um programa sobre livros, mas sua fala perfeita logo ocupou vários horários e atraiu outras emissoras. Em 1936 substituiu Renato Murce na direção da Rádio Transmissora e ali começou,também por acaso,as transmissões esportivas.O rio só falava na corrida de carros que parava a cidade e ele decidiu transmiti-la. Luiz Mendes dizia que Oduvaldo Cozzi era tão culto que poderia irradiar a transmissão do Prêmio Nobel e discorrer sobre cada uma das teses,mas que o futebol era mais apaixonante. E, com o microfone da Nacional ele se afirmou como “O Professor” a voz definitiva dos estádios que só encontrava parâmetro em Gagliano Neto. E quando Gagliano, na direção da Continental, parou de irradiar futebol em 1951 investiu uma fortuna para contratar e assumir o esporte da emissora aquele com quem esteve habituado a lutar pela preferência dos ouvintes : Oduvaldo Cozzi.E logo após o anúncio, Cozzi embarcou para a Suécia para transmitir os 10 jogos do Flamengo na Europa fazendo o Rio de Janeiro parar para ouvir as transmissões. O resultado comercial foi fabuloso. ”O talento de Oduvaldo Cozzi não se mede em dinheiro”, disse Gagliano. Aquela altura, com efeito, Oduvaldo Cozzi era uma autoridade em Rádio, futebol e, muito particularmente, em seleção brasileira. Sua narração na Copa Rio Branco em pela Mayrink Veiga em 1946 foi descrita por Nelson Rodrigues como ‘versus hertzianos’ de Camões. Era natural que todos quisessem ouvir todas as histórias de Cozzi em 1956 e em todas as coberturas que ele comandou ou participou. Ele tinha a dimensão da história em tempo real e a contava melhor do que ninguém. Mas ele não era apenas um contador de histórias. Aliás, ‘apenas’ era uma palavra raramente aplicada a Oduvaldo Cozzi.Sua influência era gigantesca. Em 1954,chegou a ser acusado de ser um dos culpados pela eliminação do Brasil na Copa de 1954 na Suíça porque suas críticas teriam desestabilizado os jogadores - mas suas críticas eram justamente contra os cartolas que conduziram uma má preparação e executaram um mau plano de Copa do Mundo. Em 1962,na Rádio Guanabara, também contratado a peso de ouro, cunhou uma de suas narrações históricas. O Brasil demorava a abrir o placar contra o México em sua estreia e chegou a ser vaiado pelos muitos brasileiros que presentes ao estádio em Salsalito, que antes já não apoiavam a seleção. Cozzi se ofendeu com a falta de incentivo aos campeões mundiais, então em busca do bicampeonato. Quando Zagallo fez o primeiro gol, já no segundo tempo, Cozzi desabafou : “Zagallo ! Primeiro Gol ! Primeiro do Brasil do Brasil na sétima Copa do Mundo. Agora aparece a torcida e agora eu não preciso mais dela. Vão gritar onde queiram , aqui não ! Eu queria que gritassem quando quando estávamos necessitados dela … agora não, agora grito eu sozinho! Agora aparecem bandeiras, agora aparecem foguetes, e onde estavam as bandeiras e os foguetes quando esse time tanto necessitava disso ?”. Constituído naturalmente uma referência, Oduvaldo Cozzi receberia duas homenagens em seus últimos Mundiais. Narrador de TV desde 63 foi convidado a narrar a primeira parte do jogo Brasil X Itália na final da Copa do Mundo de 70 e foi assim que o gol de cabeça de Pelé foi imortalizado ao som de sua voz. Em 1974, na Copa da Alemanha, chefe da delegação brasileira a convite de João Havelange, comentou os jogos do Brasil pela Rádio Nacional com a fluência e a clareza de sempre. Os Mundiais que se seguiram foram diferentes, sobretudo, contados de forma diferente. Se lá estavam os mais competentes narradores com suas alcunhas, do mais vibrante ao mais completo, do locutor padrão ao indivíduo competente, faltava a sabedoria de alma antiga e vasto vocabulário com escolhas precisas de palavras e o jeito de contar futebol como quem contava histórias de vida ao redor de uma lareira, como naquela noite para dezenas de ouvintes numa noite vienense em 1956. Faltava o Professor.

BRAGA JUNIOR ( Locutor ):
Durante alguns poucos anos compartilhamos os rádio, ele, lá em cima, brilhante, acariciando ouvintes na maciez de sua voz e no fascínio de suas ideias, e, eu, como que entorpecido, sonhando seguir seus passos. Era uma estrada comum chamada Rio de Janeiro, porém, mesmo seguindo numa mesma direção, era cada um por seu lado, ele na Continental e, eu, na Mayrink Veiga. Nossa única ligação era radial e na mão-única, ele irradiando e eu ouvindo. Até que a estrada se bifurcou um dia, Cozzi continuou no Rio e eu fui para São Paulo. Para Cozzi a Cordilheira dos Andes era a ‘cordilheira de prata’. Ouvindo sua descrição sonhei muitas vezes em conhecer o Estádio Nacional de Santiago do Chile, lugar de onde se podia ver a lua ’cortando as nuvens e derramando sua luz pálida sobre a neve eterna’, como dizia meu radinho de pilha reproduzindo na voz suave de Oduvaldo Cozzi. Cozzi foi, antes de mais nada,um esteta da palavra, palavra que usava como se extraída de um fino dicionário reservado a gênios, como Saint Exupéry e e Bilac, numa seleção minuciosa e interminável da “última flor do Lácio,inculta e bela…”. A colega e blogueira Thereza Pires escreveu em 2012 “Cozzi , o narrador lírico”, assim chamado “por sua forma mais suave e respeitosa de transmitir as partidas. As viagens eram o ponto de encontro, não pessoal (ao fã não toca a convivência com o ídolo ), apenas um mero registro: lá estava ele, como sempre estava, portanto a vida seguia em seu ritmo lento e implacável. E assim foi até que sua voz se extinguiu e que o microfone do maior locutor esportivo do país se fechara para sempre. As transmissões esportivas tornaram-se mais pobres, irremediavelmente mais pobres.

DEBORA GHIVELDER (Jornalista/Revista Veja/O Globo/Theatro Municipal/ Secretaria de Cultura/Casa de Artes de Laranjeiras)
Eu devia ter uns oito anos quando fui apresentada pelo meu pai ao senhor esguio, sentado no sofá de uma ampla sala. ”Esse é o pai”, me disse meu pai.
Eu, criança, não entendi direito como chamar de pai alguém que não era o meu pai ou, vá lá, Deus. Mas era assim que ele era chamado pela família e agregados e eu nunca o tratei de outra forma. Levei um bom tempo para descobrir que, na verdade, para o mundo, ele era Oduvaldo Cozzi. Para mim era uma figura quase mística. Sentava à cabeceira da longa mesa de jantar, conduzia as conversas nas refeições, com a voz firme e forte que o imortalizou. Falava baixo e era ouvinte atento. Sua autoridade era algo quase palpável. Quando achava que a conversa de salão não não caminhava a contento, perguntava: “Mas e o Pelé hein ?” E o tema da prosa era rapidamente substituído por outro. Pois é, na família Cozzi, Pelé virou senha. Levei um certo tempo para entender que aquele código, tinha força de lei. O pai era carinhoso comigo do jeito dele. Mais de uma vez, quando fui ao Maracanã, programa de domingo, ele me levou a cabine de rádio. É claro que tudo aquilo para mim era puro deslumbre e contentamento. E conversava comigo com interesse, eu apenas uma criança espevitada, enteada de sua filha primogênita. Nossa convivência, não foi longa como eu gostaria. Mas guardo comigo as lembranças de um tempo em que pude ouvi-lo falar do mundo e de futebol, claro. Hoje, sempre que passo pelo Maracanã e subo o viaduto Oduvaldo Cozzi, um sorriso me acompanha.